Livro: A Elegância do Ouriço (Muriel Barbery)

Estamos terminando o ano com essa última resenha. Passei por um período nebuloso nesse dezembro maldito em que comecei muitos livros, mas não tive interesse em dar continuidade nas histórias e acabei deixando muitos deles para outra época de minha vida. “A Elegância do Ouriço” foi um sobrevivente do caos de fim de ano, o único que prendeu minha atenção nesse finzinho de 2017 para que eu conseguisse de fato chegar ao final.

A narrativa é dividida em duas personagens, de quem conhecemos os pontos de vista em primeira pessoa. A primeira (e principal) é Renée, a concierge de um prédio de apartamentos de classe alta em Paris. Renée está na casa dos 50 anos, é viúva e tem um gato gordo chamado Leon, sendo vista pelas famílias do prédio exatamente da maneira que esperam que uma concierge seja, ou seja, levemente idiota, aficcionada por televisão e sem qualquer pensamento profundo. Renée, que tem plena consciência de sua inteligência e gostos refinados, fez a escolha de esconder sua inteligência para viver uma vida pacata dedicada às artes na clandestinidade de seu quartinho, sem deixar que exigências maiores recaíssem sobre si. É a partir da percepção de Renée que vamos conhecendo as famílias ricas do prédio e há muito de crítica ácida a esses membros da alta sociedade, com suas concepções pré-concebidas sobre como os mais pobres devem se comportar segundo a sua ideologia de esquerda e suas falsas preocupações.

A segunda personagem é Paloma, uma pré-adolescente que começa um diário a partir dos planos de suicídio e incêndio do apartamento da família. Paloma não se dá bem com nenhum dos membros de sua família (mãe, pai e irmã mais velha que está se formando em filosofia) e acha todos eles pretensiosos e símbolos da decadência endinheirada, igualmente sendo vista por eles como uma menina esquisita. Paloma, como Renée, tem consciência de que é mais inteligente que seus pares e precisa disfarçar nos ambientes sua percepção elevada sobre o mundo. Os escritos de seu diário revelam que a menina está sempre só, pensando na vida e que não encontra grande sentido para a existência, optando pelo suicídio planejado como dito anteriormente. Dentre as coisas de adolescente que ainda cultiva está o interesse por mangás japoneses e pela televisão, que assiste com certo distanciamento.

A vida dessas duas personagens e suas reflexões são afetadas com a mudança de um senhor japonês para um dos apartamentos do prédio. O Sr. Ozu logo nota que ambas compartilham com ele algum nível de identificação, prestando especial atenção à concierge e desenvolvendo forte amizade com ela. E é aí que acho que o livro se perde um pouco…

Primeiro, vamos falar dessas duas personagens principais. Há momentos em que o leitor vai sentir grande identificação com passagens ditas por elas (eu gosto especialmente da crítica à essa “piedade” socialista aos mais pobres e falsa identificação vindas da burguesia de esquerda porque é algo que vejo diariamente, mesmo sendo de centro-esquerda, e critico duramente esse posicionamento na torre de marfim). Em outros momentos, as personagens soam como intragáveis, com tendência à superioridade e julgamento dos hábitos alheios de forma exagerada, parecendo que não há como alguém “acertar” nessa vida a não ser que seja o espelho. Engraçado como sempre que vejo críticas sobre esse livro elas acabam tratando de como essa visão das personagens serve para vermos os moradores do prédio, quando acredito que estamos conhecendo mais é sobre Renée e Paloma e bem pouco dos moradores (apenas o que elas conseguem olhar e criticas), na verdade…

Não teria grandes problemas com o livro não fosse essa parte final, em que há a inserção do personagem Ozu, que parece exatamente a personificação por parte tanto de Renée quanto de Paloma do amigo ideal, incluindo sua nacionalidade. É algo extremamente artificial (no sentido de ser um artificio do texto para fazer a história dar uma virada e também ser pouco natural), que acaba assumindo ares de irrealidade e talvez de fantasia por parte das personagens. Além de tudo, Ozu é uma figura que desperta o interesse dos outros vizinhos, então a ligação da menina e da concierge com ele acaba gerando a inveja dos indivíduos que elas manifestaram desprezar, inveja essa com a qual elas se regalam. Todo o interesse de Ozu por Renée, que dá um ar de romantismo ao final do livro, parece pouco natural e colabora com essa ideia de fantasia e romance barato que não combinam com o restante do livro. Ao menos o final de Renée tem algo de justiça poética e Paloma consegue realizar alguma coisa de auto-análise ao final e se perceber como o clichê da pobre-menina-rica-e-suicida, tentando salvar um pouco desse final da história.

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