CAMARNEIRO, Nuno – Debaixo de Algum Céu, Alfragide, Leya, 2013
Sinopse: Num prédio encostado à praia, homens, mulheres e crianças – vizinhos que se cruzam mas se desconhecem – andam à procura do que lhes falta: um pouco de paz, de música, de calor, de um deus que lhes sirva. Todas as janelas estão viradas para dentro e até o vento parece soprar em quem lá vive. Há uma viúva sozinha com um gato, um homem que se esconde a inventar futuros, o bebé que testa os pais desavindos, o reformado que constrói loucuras na cave, uma família quase quase normal, um padre com uma doença de fé, o apartamento vazio cheio dos que o deixaram. O elevador sobe cansado, a menina chora e os canos estrebucham. É esse o som dos dias, porque não há maneira de o medo se fazer ouvir.
A semana em que decorre esta história é bruscamente interrompida por uma tempestade que deixa o prédio sem luz e suspende as vidas das personagens – como uma bolha no tempo que permite pensar, rever o passado, perdoar, reagir, ser também mais vizinho. Entre o fim de um ano e o começo de outro, tudo pode realmente acontecer – e, pelo meio, nasce Cristo e salva-se um homem.
Embora numa cidade de província, e à beira-mar, este prédio fica mesmo ao virar da esquina, talvez o habitemos e não o saibamos.
Com imagens de extraordinário fulgor a que o autor nos habituou com o seu primeiro romance, Debaixo de Algum Céu retrata de forma límpida e comovente o purgatório que é a vida dos homens e a busca que cada um empreende pela redenção.
Opinião: Não há um enredo único que seja espinha dorsal desta história. Como indicado na sinopse, a premissa é a de se debruçar um pouco sobre cada um dos moradores do prédio, salteando constantemente entre uns e outros. O facto de se tratarem de trops de personagens bastante utilizadas e, dentro da bolha do romance, diferirem bem entre si leva a que esta constante mudança de foco narrativo não se torne confusa, sendo fácil ao leitor acompanhar as mudanças e novas situações. Poderemos resumir o enredo como sendo o acompanhamento do mundano de um grupo de vizinhos, durante o período compreendido entre o Natal e o Ano Novo, com foco no seu psicológico.
Como indicado, as personagens seguem trops já conhecidas: o jovem casal pressionado pelo novo bebé, o padre com crise de fé, a família “normal”, a viúva com um gato, etc, etc. O conhecimento dos receios, anseios, sonhos e passados humaniza-as, mas acaba por também as limitar. Deixa-se de pensar na personagem como um todo para pensar nela como aquele medo, aquele dilema, aquela revolta. Gostaria de também as ter visto com uma construção mais estudada, visto tratar-se de uma obra onde a realidade do mundano é primazia – o caso do padre, por exemplo, retrata-o como tendo apenas as missas como obrigação sacerdotal, quando tal não se verificada, e ainda menos do período natalício/pós-natalício.
A prosa acaba por se tornar no ponto mais forte do livro. Não sendo rebuscada, não cai também numa simplicidade extrema; as escolhas vocabulares e as construções frásicas conseguem evocar os vários sentidos na imaginação do leitor e construir facilmente as imagens/ambientes narrados. Considero ser uma das principais motivações para a leitura do romance.
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